domingo, 22 de março de 2015

Produtor rural investiu na natureza para sobreviver à crise da água


Aloísio Sgulmaro escala a cachoeira do seu sítio, em Alfredo Chaves, no Sul do Espírito Santo. Senta-se sobre uma das pedras e posa para a foto, tendo ao fundo a água que escorre lá do alto. Pensativo, constata: o volume atual é pelo menos quatro vezes menor do que o registrado há quatro anos, quando foi fotografado por A Gazeta, no mesmo local.

Há mais um mês não chove no Vale do Batatal, onde mora Sgulmaro, 59, casado com dona Sandra, 54, e pai de três filhos. Nestes tempos de forte estiagem no Estado, o produtor rural só não está mais apreensivo porque consegue colher, hoje, a água que passou a “plantar” em sua terra, em 2009, por meio da proteção de nascentes e da preservação do verde, aderindo a um projeto do governo que lhe pagou por serviços ambientais.
 
Foto: Edson Chagas - GZ
Aloísio Sgulmaro, dono do Sítio Cachoeira de Pirapitinga, hoje e em 2011: volume d?água reduzido
Até 2011, Aloísio Sgulmaro recebeu, por ano, um total de R$ 3.995,00 para preservar nascentes e vegetação em sua terra, com 22,2 hectares. Hoje, comprova que as medidas adotadas, usando técnicas que permitiram o abastecimento dos lençóis freáticos, por meio de ações de reflorestamento de matas ciliares e recuperação de nascentes, impedem que seu prejuízo seja maior.

Elas mantêm a umidade do solo e favorecem o pouco das águas que brotam em três nascentes e também descem da cachoeira do seu sítio, e que correm para o Rio Pirapitinga.

O produtor admite que a crise hídrica causa uma queda de 40% na produção do seu café não irrigado, mas a situação poderia ser pior, não fossem os cuidados com a terra e o verde, adotados há anos. Ele espera ser absorvido pelo atual Programa Reflorestar, do governo, que remunera, por hectare, com valores entre R$ 2,5 mil e R$ 8,6 mil anuais, quem mantém a mata em pé e faz plantio de mudas em encostas, margens de rios e nascentes.

“Já forneci meus dados para técnicos que estiveram aqui no final do ano passado, prometendo dinheiro para insumos de reflorestamento. Aprendi que devemos proteger a natureza para não sofrermos com ela”, diz.
 
Foto: Edson Chagas - GZ
Edson Chagas: Socorro vem de vizinho Cesar Bassseto, 57, tem apenas uma nascente fraca em suas terras, e para consumo próprio usa água cedida pelo vizinho Aloísio Sgulmaro.
Sem festa

Neste Dia Mundial da Água não há muito o que festejar, mas iniciativas como a de Sgulmaro – e dos seus irmãos que, como ele, preservam a natureza na terra herdada do pai descendente de italianos – nos fazem ver um pouco de luz no túnel escuro do fenômeno climático que faz com que enfrentemos um dos períodos mais secos das últimas quatro décadas.

Basta observar os dados da Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh) para se ter noção da dimensão do problema. Em janeiro, os rios Santa Maria da Vitória e Jucu, que abastecem a Grande Vitória, chegaram a registrar vazões baixíssimas – de 2,800 e 6,400 litros por segundo, respectivamente –, bem abaixo das consideradas críticas, de 6,151 e 11,471 litros por segundo.

Em fevereiro, o volume de chuva que caiu ficou abaixo do esperado na Grande Vitória e na Região Sul. E embora tenha havido chuva acima da média nas regiões Serrana, de Baixo Guandu e também na porção central-norte do Estado, o volume não foi capaz de normalizar a situação dos rios.

No dia 3 deste mês, a vazão do Rio Santa Maria da Vitória foi de apenas 2,500 litros por segundo, e a do Jucu, 9,280. Para março, segundo a Agerh, as vazões médias esperadas para os dois rios eram de 28,529 e 40,761 litros por segundo, respectivamente. Em relação às médias, atingiu-se apenas 6,66% e 21,71%.
Zero de chuva

Meteorologista do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), Ivaniel Fôro Maia lembra que, em janeiro, não choveu na Grande Vitória. Já no interior, onde eram esperados 230 milímetros de precipitação pluviométrica, só caíram 20 milímetros (mm).
 
Em fevereiro, eram esperados 86,44 mm na Grande Vitória, mas só foram registrados 52,40 mm. Em municípios como Santa Teresa e Santa Leopoldina, na Região Serrana, porém, o desvio foi positivo: dos 108 mm esperados, choveu 152.
Para este mês de março, a previsão é de 162 milímetros de chuva, mas até a última quarta-feira foram registrados apenas 13,6 milímetros. A meteorologia prevê para hoje e amanhã chuva em todo o Estado, no período da tarde. Mas ela não será suficiente para recompor o nível dos rios.

Transição

Triste é pensar que, nesta época de transição entre aquele que deveria ser o período mais úmido do ano, para o mais seco - o inverno -, a chuva prevista também não deverá mudar a situação dos nossos mananciais.

“Mesmo que no outono chova dentro do padrão considerado normal, com o saldo negativo já registrado não será possível cobrir o ‘rombo’. Não veremos normalizada a situação da crise hídrica do Estado”, afirma Ivaniel Maia.

Mas, para o diretor-presidente da Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh), Paulo Paim, a situação dos rios não está confortável, mas “permite tranquilidade”, embora devamos permanecer em prontidão, no que diz respeito às restrições de consumo.

“Vamos precisar manter o alerta, racionalizar água, intensificar campanhas, recuperar o mais rapidamente possível a vegetação”, diz ele.
Paim promete que o Plano Estadual de Recursos Hídricos, ainda a ser elaborado – e para o qual o governo busca apoio financeiro do Ministério do Meio Ambiente –, que conterá as regras sobre a gestão da água, será construído pelo conjunto da sociedade.

De parte do Meio Ambiente, o secretário da pasta, Rodrigo Júdice, ressalta a importância do Programa Reflorestar, que incentiva financeiramente agricultores a manter e expandir a cobertura vegetal do Estado.

Ninguém duvida que reflorestar e proteger áreas de nascentes, de matas ciliares e de recarga (para absorção e água de chuva), é uma das formas de se investir na prevenção de crises hídricas futuras.

Fonte: A Gazeta

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